terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O OLHAR FOTOGRAFICO!


Uma foto é a representação da coisa pela própria coisa. Talvez possamos dizer que seja um ícone do que se propõe reproduzir. O critério como a forma dessa coisa irá se representar será uma escolha do fotógrafo, que possui apenas o espaço de um fotograma para fazer isso. Será medido e selecionado por ele, usando do que conhece para poder tentar criar uma atmosfera especifica. Chamamos isso de olhar fotográfico.


A máquina faz fotos, registrando a luz de um instante em um determinado lugar, congelando aquele momento em uma superfície que o conserva para sempre. Esse instante nunca mais voltará, mas estará registrado. O cérebro é influenciado pelo ambiente, pelos odores, pela temperatura, sons, estado de espirito e sentimentos. Nada disso pode ser reproduzido pela máquina, mas cada um que vislumbre a imagem fotografada será instigado por essas sensações, cada qual com seu leque pessoal de lembranças e situações que ira lhe causar uma reação distinta diante dessa imagem preservada, podendo ser bem diferente da realidade na qual a cena foi registrada. 


Uma máquina por si só tira fotos, bastando apontar sua lente para algo e acionar seu mecanismo. Não existe ali um esforço motor no que diz respeito à reprodução do objeto por parte do fotógrafo, ao contrário da pintura e do desenho, onde a realidade é interpretada pelo artista, a fotografia é uma reprodução fidedigna da realidade. A fotografia passa a ser uma afirmação do real, um momento em algum lugar onde a luz se congela. Segundo Philippe Dubois, no livro O Ato Fotográfico, “(...) a relação da imagem com o espaço/tempo é indissociável do ato que a faz ser a imagem fotográfica não é apenas uma impressão luminosa, é igualmente uma impressão trabalhada por um gesto radical que a faz por inteiro de uma só vez, o gesto do corte, que faz seus golpes recaírem ao mesmo tempo sobre o fio da duração e sobre o contínuo da extensão”. 


Mas e o olhar fotográfico? Esse termo é um conceito um tanto quanto abstrato para definir uma percepção própria de cada um da mesma realidade. Indiscutível que cada um veja a mesma coisa por prismas diferentes, filtros pessoais que moldam a relação do indivíduo um com o mundo. Percepções distintas de um mesmo instante. A capacidade de selecionar formas que para o fotógrafo tenha algum significado, tentando levar isso para outras pessoas. “Esse momento único, levantado do contínuo do tempo referencial”, diz Dubois, “torna-se, uma vez pego, um instante perpétuo: uma fração de segundo, decerto, mas ‘eternizada’, captada de uma vez por todas, destinada (também) a durar, mas no próprio estado em que ela foi captada e cortada”. Esta mesma ideia é ressaltada por Susan Sontag, em Ensaio Sobre Fotografia, “(...) todos os fotógrafos são testemunhas da passagem inexorável do tempo, fotografar significa participar na mortalidade, vulnerabilidade e mutabilidade de outras pessoas (ou coisas)”. O olhar fotográfico é fazer uma escolha de qual instante deve ser perpetuado para poder significar algo. Bresson, em seu texto O Momento Decisivo diz “(...) Nós fotógrafos, lidamos com coisas que estão continuamente desaparecendo (...), o que passou, passou para sempre. Nossa tarefa é perceber a realidade, registrando-a quase simultaneamente no caderno-de-esboços que é a nossa câmera. (...) A fotografia implica o reconhecimento de um ritmo no mundo das coisas reais. O que o olho faz é encontrar e enfocar o assunto particular dentro da massa da realidade; o que a câmera faz é simplesmente registrar em filme as decisões tomadas pelo olho. O olho do fotógrafo está sempre pesando e avaliando as coisas”.


As escolhas que o fotógrafo faz é o que determina o valor representativo que essa imagem deverá ter. Lucia Santaella diz em seu livro, O Que é Semiótica, ”…o simples ato de olhar já está carregado de interpretação, visto que é sempre o resultado de uma elaboração cognitiva, fruto de uma mediação significa que possibilita nossa orientação no espaço por um conhecimento e assentimento diante das coisas que só o signo permite”. Assim podemos dizer que a foto é construída antes que ela realmente se forme de fato, sendo criada primeiramente na imaginação do fotógrafo, que tenta construir através de sua própria memoria algum elemento que represente seu desejo, moldando de antemão seu olhar. 


François Laplantine no livro La Description Ethnographique , faz a distinção entre ver e olhar. Segundo ele “(...) olhar é guardar, prestar atenção, observar, vigiar. O olhar demora-se no que vê. Ver o mundo imediatamente tal qual ele é, cujo resultado consistiria em descrever exatamente o que aparece diante de nossos olhos, não seria ver verdadeiramente, mas crer, e crer claramente dentro da possibilidade de eliminar a temporalidade. Seria reivindicar uma estabilidade ilusória do sentido do que a gente vê e negar a vista, e ao visível, sua característica indiscutivelmente mutante”.


Um olhar fotográfico se forma muito antes da oportunidade se materializar fisicamente. Ela se forma na imaginação do fotografo, em seus sentimentos, suas memorias, desejos de exteriorizar aquilo que existe dentro de si através de imagens que ele colhe no mundo reflexo do que é. O olhar fotográfico procura primeiro dentro do fotografo aquilo que ele deseja encontrar do lado de fora.

DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, Papirus, 1994.
SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SONTAG, Susan. On photography. New York: Dell, 1977.
LAPLANTINE, François. La description ethnographique. Nathan: Paris, 1996.

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