segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Álbum de família

Desde criança encantam-me os álbuns de fotografia de família, aqueles onde se enfiavam as fotos em saquinhos plásticos, ou aqueles grandes e desengonçados onde as fotos eram coladas. Saudosista? Talvez. Coisa de imigrante digital no início da casa dos 30. Ficando velha? Sim. Todo saudosista é alguém que está ficando velho, rememorando com saudade o que passou.




Minha mãe, Letícia, na Praça Cívica no centro de Goiânia em 1978. Fotógrafo: meu pai, José Milton.
Formato da foto: 12,5 x 9 cm. Filme colorido. Papel fotográfico: Kodak. Câmera Leica, analógica.



Ultimamente, tenho refletido muito sobre a fotografia pra reforçar nossa memória e contar histórias do cotidiano, ou seja, não me refiro às fotografias de personalidades famosas, nem às dos livros de História, mas às de pessoas comuns, dos álbuns de família. Nelas, além da história de nossos familiares, há história do nosso próprio tempo: podemos observar registros de moda; personalidade da pessoa retratada; estilo do fotógrafo principal da família (o pai, o tio?); decoração; arquitetura; carros da moda; a cidade; diferentes tipos de papéis e películas fotográficas; o ISO; os químicos e, se muitos sagazes, até deduzir qual o modelo de câmera usado, se não mais tivermos o parente ou o amigo fotógrafo com a memória ativa pra nos contar qual seria.



É uma forma de subverter a História tradicional, dos grandes feitos, dos grandes heróis. De direcionar nosso olhar para focar os que também constroem a História no cotidiano. Quem é você? Qual é a sua história? Como você se posiciona na História? Outra História da Fotografia, a história do “estilo amador”, dos fotógrafos anônimos, dos álbuns de família da era analógica, pré-digital.



Minha mãe de calça cor mostarda nos brinquedos do Parque Mutirama em Goiânia com amigas de faculdade, 1972. Quem é de Goiânia, sabe que esses brinquedos existem iguaizinhos ainda por lá, veremos depois da modernização do parque que está acontecendo neste ano de 2011. Os cilindros de concreto existiam naquela época na Praça do Avião em Goiânia.



Se já quase não mais temos o hábito de mandar fazer as ampliações de nossas fotos em papel fotográfico e colocá-las em porta-retratos em cima do aparador, ou de pegarmos os álbuns guardados com cheirinho de químicos envelhecidos e mostrarmos praquela visita que vem à nossa casa uma vez na vida, continuamos nos mostrando na Internet e disseminando nossas fotografias para mídias digitais diversas. E a visita nem precisa vir até nós, nossas imagens vão aonde elas estiverem, espalham-se ao mundo, ao mundo...



Nossas fotos deixam de ser nossas ou só de nossas famílias, deixam de ser aquela segunda cópia que presenteávamos um amigo querido e, ainda, lhe escrevíamos uma dedicatória no verso com Bic azul e colocávamos a data. Digitalizadas, nossas imagens passam a ser quantas vezes forem copiadas e visualizadas por quantos (des)conhecidos as curiarem. É uma nova “era da reprodutibilidade técnica”.



Verso da foto com "areia" mais adiante.

A dedicatória com Bic azul ou preta, com lápis grafite, perdeu espaço para um comentário digitado de natureza qualquer... Ao invés de escrevermos os nomes dos que na foto aparecem, podemos também indicar os presentes (e aos presentes), marcando-os para que através de links, o curioso internauta seja encaminhado ao perfil de tais pessoas, caso essas também façam parte da mesma rede social.


Quando minha mãe nasceu, em 1944, não era muito comum que as famílias tivessem câmeras fotográficas, então, costumavam-se contratar fotógrafos profissionais para registrarem os momentos especiais e os retratos de família.




Foto 1: Em 1960 com uniforme de gala aos 16 anos em casa, Porto Nacional (ainda antigo estado de Goiás). Foto 2: Com uma colega de ginásio em 1964, no dia da formatura à porta do Colégio Estadual de Porto Nacional. Foto 3: Num barco no rio Tocantins em 1970. Foto 4: Em Goiânia, 1965, com Raimunda (amiga), Lenita (irmã), Letícia (mamãe) e Adaltides (prima). Filmes P&B, papéis lisos brilhantes, formatos variados entre 6,5 a 10 cm.

Dos álbuns de minha mãe, aprecio muito suas fotos do período dos anos 1970, quando ainda eu não era nascida. Dez anos antes, desde os anos 1960, eram os tios, primos, amigos e o irmão de minha mãe (todos homens) e mais “descolados”, que ficavam responsáveis por registrarem os momentos com suas câmeras analógicas mui “modernas”, de ferro e pesadas: Leica, Kodak, Pentax, Polaroid.


Minha mãe aos 17 anos em 1961, no quintal da casa da minha avó Luísa na Rua 77, nº150, Centro de Goiânia. Foto "batida" pelo seu primo, Sansão, provavelmente com uma câmera Kodak, segundo ela. Filme P&B, papel fotográfico não identificado, fosco, com 180 gr., aproximadamente. Formato: 10 x 7 cm.


Mais tarde, ao final daqueles anos, seu melhor retratista acabou sendo meu pai:


Em 1978, na sala de jantar na casa da Rua 62, nº12, Centro, Goiânia. Casa que não existe mais, onde nasci quase 2 anos depois. Fotógrafo: meu pai, José Milton. Câmera: Leica, emprestada pelo meu tio Uriel. Filme colorido. Papel fotográfico: Kodak. Formato: 12,4 x 8,8 cm.



Uma das coisas interessantes nas fotos de minha mãe são os formatos e as bordas brancas em ondinhas e retas. Há foto preto-e-branco mais conservada do que algumas coloridas, estas já em tom sépia, desbotadas. Algumas vinham minúsculas, em monóculos, pra direcionarmos estes à luz e visualizarmos através de uma pequena lente acoplada, o diminuto fotograma.




Época de faculdade em Brasília, 1973. Filme colorido. Papel liso brilhante. Formato: 9 x 12,5 cm.



Nos álbuns da juventude de minha mãe do início dos anos 1960 ao final dos anos 1970, não existem fotografias dela em papéis de gramatura muito espessa, nem com texturas muito pronunciadas. Os papéis eram brilhantes e vezes foscos. Mas, a cada tipo de câmera, papel ou laboratório fotográfico, um formato diferente de fotografia.




No Zoológico de Goiânia em 1978 com meus primos: Ricardo e Ana Cristina. Foto tirada pelo meu pai.

Para um fotógrafo amador com uma câmera analógica, especialmente quando esta era compacta, tirava-se a foto quase como no escuro, pois não tendo um super visor de LCD de 2 a 3.5 polegadas como nas câmeras digitais atuais e, somente um pequeníssimo visor ao olho, de poucos centímetros, era comum o “erro de paralaxe”. Erro ocorrido quando se achava que se ia fotografar exatamente o enquadramento visto pelo visor, mas que na verdade, a composição saia "mais pra lá" após o filme revelado e a foto ampliada. O visor não correspondia à visão real do objeto a ser fotografado, por se localizar em posição diferente do foco da objetiva, assim, era comum a foto não sair com o recorte escolhido durante o ato fotográfico.


Naturamente, o erro de paralaxe vinha aliado ao amadorismo de se fotografar mais a parede e o teto do que a pessoa retratada, mais a areia e cortar pessoas que estavam posando para a foto em um grande grupo a caminho da praia, ou de se posicionar a câmera na vertical, ao invés da horizontal, posição que seria mais adequada para a foto do grupo em questão - o que pode se tornar um charme a olhos não convencionais em consagração ao "estilo amador".



Em Luís Alves-GO, 1974, rumo à praia do rio Araguaia. Tava frio no início da manhã! Mamy's é a última à direita, sem chapelão a la mexicano! rs Filme colorido. Papel fotográfico liso, brilhante. Formato: 8,8 x 12,1 cm.



Claro que, os técnicos ou mesmo os fotógrafos que eram também responsáveis por operarem os ampliadores em seus laboratórios podiam, de acordo com a sensibilidade estética de cada um, corrigir no ampliador na sala ou quarto escuro de revelação o enquadramento do “estilo amador”. Exatamente igual ao que fazemos hoje usando programas de edição de imagens, como o Photoshop ou o Ligthroom. Ajeitavam o recorte no ampliador e podiam ajustar o tom, a luminosidade e o contraste quando submergiam o papel fotográfico já sensibilizado nas bandejas com os químicos que fariam aparecer e fixar a imagem ali projetada.


Minha mãe montava exposições artísticas na escola onde ministrava aulas de Geografia e Artes Industriais, suas duas formações acadêmicas, cultivava samambaias em casa, cactos e um jardim de rosas, lia revistas de decoração, dirigia Fusca e ouvia o iê-iê-iê de Roberto Carlos e da Jovem Guarda.




Na sala de Artes Industriais no Colégio Estadual Polivalente Modelo de Goiânia, 1973. Atual Colégio Militar, na T-08 com T-47, Setor Bueno em Goiânia. Exposição de artes e maquinário usado com os alunos. Fotos tiradas pelos seu primo, Sansão!


Infelizmente, ela não foi uma moça descolada, nem porra-louca, não militou contra a Ditadura, não participou de movimentos feministas, nem grevistas. Até chegou a usar alguma ou outra referência da moda hippie, ministrou aulas pra alunos cabeludos e “hippongas” quando concursada em Brasília, mas nunca fora uma. Fato perceptível nas fotografias em suas poses: sempre muito contidas, com muita timidez na linguagem corporal, sem grandes gargalhadas ou galhofas; roupas comportadas de “moça de família” – o que era esperado que fosse, uma “filha de mãe viúva, criada sem pai” em Porto Nacional, uma cidadela que pertencia ao antigo estado de Goiás, atual Tocantins.

4 comentários:

  1. Adorei ver as fotos da sua mãe.
    É uma verdade, as nossas fotos, contam a história!
    Adorei o poste!

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  2. E houve um pretexto pra mostrar as fotos, não simplesmente, pinceladas de história de família. Mas também, pra falar de câmeras, papéis fotográficos, como os fotografos analógicos lidavam com as câmeras e a revelação na sala escura, erro de paralaxe, fotógrafos amadores...

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  3. Adorei as fotinhas antigas! Elas têm mais presença q as digitais pois envelhecem e isso tb lhes confere charme e vida!

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  4. Oi, Drica! Obrigada pela visita! Ainda não havia pensado sobre isto...

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