Quando pesquisava para meu trabalho de conclusão de curso, me deparei com a fotografa francesa, Claude Cahan. Antes de começar a escrever sobre ela, gostaria de deixar aqui algumas palavras.
Uma coisa que sempre reparei é que pouco ouvi falar sobre mulheres fotógrafas. Em um curso de extensão na faculdade, onde praticamente tive meus primeiros contatos com a história da fotografia, ouvi sobre vários fotógrafos, como Helmut Newton, do qual sou fã, Man Ray, Richard Avedon, Robert Frank e mais um bocado de nomes consagrados da fotografia mundial, todos homens e, nenhuma mulher.
Já conhecia um pouco o trabalho de Cindy Sherman, quando fazia outra pesquisa e, acho, sem certeza, que era a única que conhecia. Começou fazendo auto-retratos. Famosa por suas fotografias, onde posava fazendo a reprodução de telas de grandes pintores.
Provavelmente você já viu uma das famosas fotografias dela, a reprodução fotografia da tela de Caravaggio, "Baco Enfermo",se não viu é essa logo abaixo.
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Sem titulo: de Cindy Sherman (1990) |
Escreveria um post inteiro sobre ela, mas este aqui é sobre a outra fotógrafa, a Claude Cahan, seu trabalho influenciou Sherman, as duas se fotografam representando personas, a primeira aparece sempre com o rosto sério, quase neutro e Sherman utiliza várias máscaras.
Claude Cahun foi registrada com o nome de Lucy Renée Mathild Schwob, criada pela avó paterna, pois sua mãe tinha problemas mentais.
Viveu até o fim de sua vida ao lado de sua companheira, a artista e sua meia-irmã Suzanne Malherbe.
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Claude Cahun |
Lucy Schwob adotou o pseudônimo de Claude Cahun, intencionalmente, pois na França é um nome ambíguo, podendo tanto ser masculino, quanto feminino, Suzanne Malherbe também adotou um pseudônimo, Marcel Moor.
Conheceu André Breton, considerado o "inventor" do movimento surrealista e René Crevel, poeta e romancista francês, que também integrava o grupo de surrealistas, liderados por Breton em Paris.
Participou com outros artistas, de algumas exposições surrealistas em Paris e Londres.
Com a explosão da 2ª Guerra Mundial, Cahun, que também era judia, vai junto com sua companheira, para Jersey, uma ilha britânica na costa da França. Combatia resistentemente a guerra. Fluente em alemão, se disfarçava e, usava da linguagem como sua arma para subverter o exército nazista, infiltrando-se nos acontecimentos militares alemães, elas colocavam nos bolsos dos soldados, nos carros e nas janelas das casas, panfletos traduzidos do inglês para o alemão de relatórios da BBC, sobre as atrocidades e insolências cometidas pelos nazistas.
Cahun e Suzanne Malherbe, não só usavam de ações politicas, mas também artísticas como forma de manipular e tentar destruir as forças opressoras. Toda a sua luta pessoal e política, seu empenho e coragem de lutar de frente com os nazistas, nos leva a compreender seus auto-retratos.
Sem nenhuma preocupação com a história da arte, pois ela não se importava com isso, retratava o que a afetava diretamente e, os acontecimentos que observava. Não comungava da ideia de mostrar o talento ,a arte, como uma forma de ganhos financeiros.
Fotógrafa, escritora e atriz, Claude Cahun nos mostra não só na sua vida pessoal, mas também em seu trabalho, a inversão de papéis, a pluralidade de um ser, o conhecimento sobre gênero, beleza e sexualidade.
Aparecendo em seus auto-retratos, ora trajando roupas masculinas, cabelos curtos ou raspados, o que era totalmente inimaginável e fora de questão na época, ora com trajes femininos, maquiada e cabelos longos.
Seus auto-retratos mostram uma poesia singular, intimista e revolucionária, documentando a realidade que caminhava para a modernidade.
Sua participação no movimento surrealista, desmistificou a imagem feminina dentro do movimento, como um ícone isolado, simbolo do erotismo, dando nova forma de mostrar a mulher dentro do universo surrealista, onde seus representantes eram de maioria masculina.
Ela mostrou as múltiplas possibilidades de identidade do feminino, seu trabalho influenciou artistas, tais como Nan Goldin, fotógrafa americana que também merece um post, e a já citada neste , Cindy Sherman.
Sua vida e seu trabalho se fundem, como se um fosse a continuidade do outro. O trabalho de Cahun só começou a ser observada com mais atenção e ganhar destaque, quase que no final do século XX, como um dos mais originais e criativos.
Claude Cahun e Suzanne Malherbe, foram presas pelos nazistas no ano de 1944 e, condenadas a morte, entretanto, tal sentença nunca foi cumprida e as duas foram soltas no ano de 1945. Saiu da prisão com a saúde afetada e nunca mais recuperada, devido a problemas de saúde, veio a falecer aos 60 anos de idade no ano de 1954 e Suzanne Malherbe faleceu em fevereiro de 1972 aos 80 anos.
O nome de Claude Cahan não consta nos tratados surrealistas, mesmo ela tendo participado do movimento e, tão pouco encontraremos nos grandes livros de história da arte, mas nem por isso seu trabalho se torna menos importante para a arte. Ela é uma artista, que merece ser sempre lembrada.
Claude Cahun, foi uma notável fotógrafa, não somente pela arte que produziu, mas também por seu engajamento politico, personalidade e ousadia.
Mencionada por muitos devido ser homossexual, considera por outros como um fotografo transexual, do feminino para o masculino, mas o que eu vejo em suas fotografias é uma mulher corajosa em sua atitude de desafiar a sociedade de sua época, onde a mulher não tinha voz, e mostrar nas suas fotografias, escritos e atitudes, que a mulher também é forte, também pode dialogar de maneira lógica, e política.
A neutralidade em sua face, a sua imagem careca, à mim, mostra bem essa imparcialidade entre os gêneros, o meio, o equilíbrio, pois ao mesmo tempo em que se traja do masculino, ela é o feminino. Claude Cahun nos revela em suas fotografias as possibilidades de transmutação da identidade feminina.
Enquanto alguns de seus contemporâneos se desnudavam diante das lentes dos fotógrafos para mostrarem, Claude Cahun fazia o contrário, ela se vestia, e como bem disse Michael Rush em seu artigo, "A arte performática vive", a "artista valia-se de disfarces para desmascarar identidades".
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Fotografia: claude cahan |
Você pode ler mais também aqui:
RUSH, Michael.
A arte performática vive. Fashion theory: a revista da moda, corpo e cultura. v. 1, n. 2, 2002. p.97-99 .