terça-feira, 8 de novembro de 2011

Lambe-Lambe

“Olha o passarinho!”


http://fotografoslambelambes.blogspot.com/2010/02/fotografos-ambulantes-no-brasil-os.html


“Olha o passarinho!” – dizia um fotógrafo lambe-lambe na calçada de uma praça. O sujeito precisava de um retrato para documento: sentava-se num banquinho, penteava o cabelo, vestia um paletó com suor de um qualquer, o lambe-lambe ajeitava-lhe a gravata e corria a se meter sob o negro pano que cobria a traseira do seu equipamento.

Na minha primeira infância, quando ia para o Instituto Araguaia, olhava pela janela do Fusca branco do meu pai algumas banquinhas, parecidas com bancas de jornal e que ficavam em alguns pontos do centro de Goiânia, como na Praça Cívica em meados dos anos 1980.

_ Pai o que são essas casinhas?
_ Essas casinhas aí são banquinhas pra tirar foto, minha filha!
_ Nossa, mas é um lugarzinho tão pequenininho! Cabe gente lá dentro?
_ Pois é, é apertado! Mas cabe sim: só quem vai tirar a foto e o fotógrafo!
_ Ah, é? E como ele faz?
_ Uai, minha filha, a gente chega lá e pede uma foto pra documento. Ele pergunta o tamanho, você diz. Daí, ele empresta uma camisa, uma gravata e um paletó. A gente ajeita o cabelo e ele fala assim: “Olha o passarinho!”
_ Eca, mas todo mundo usa a mesma roupa que o outro estranho usou, sem lavar?
_ Ah, ninguém ligava pra isso, não!
_ Devia ser fedido!
_ Ih, a gente nem sentia! Nossa, mas a foto saía perfeita! Antigamente, quando eu cheguei de Belo Horizonte aqui em Goiânia nos anos 60, todo mundo tirava foto de documento na rua! Sabe aqueles retratinhos preto-e-branco que eu tenho de mim quando eu era rapazinho e magrinho? Pois é, muitos eu tirei na rua assim! Pena que hoje em dia quase não se usa isso mais, esses fotógrafos devem tá morrendo de fome, todo mundo tira foto de documento lá no Sakura e no Fujioka...


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Do povo e para o povo

Muitos anônimos, nascidos do povo e produzindo para o povo, poucos se preocuparam em registrar seus nomes nas fotografias. Embora, em Curitiba, também se declarassem como lambe-lambes, esses fotógrafos de rua que tinham seus pequenos estúdios e laboratórios em bancas não foram os primeiros fotógrafos lambe-lambes tipicamente característicos: andarilhos de rua. Aqueles, os mais antigos, eram ambulantes com grandes câmeras-caixotes que atuavam em praças, parques, jardins e locais públicos (FERNANDES JÚNIOR, s.n.; SILVA, 2009). Já, os fotógrafos das banquinhas eram versões mais modernas dos antigos lambe-lambes, pois estando alocados num ponto fixo, não mais se constituíam nômades ou sentados à espera do cliente sob a sombra de uma frondosa árvore numa praça, nem num jardim a céu aberto.





Os fotógrafos de jardim, os primeiros lambe-lambes, ambulantes, fotógrafos instantâneos, trabalhadores informais que ganhavam a vida fotografando populares, registrando a vida citadina, mais comumente produzindo fotos preto-e-branco para documentos diversos, usavam grandes câmeras, muitas vezes artesanais, simples e fabricadas por eles próprios, que além de serem dispositivos fotográficos, eram também mini-laboratórios de revelação e ampliação.

A câmera lambe-lambe era confeccionada com uma caixa de madeira contendo uma objetiva (conjunto de lentes) apoiada sobre um tripé. Era dividida em duas partes: superior e inferior, na inferior havia dois químicos que seriam usados com filmes e papéis fotográficos para o banho, o revelador e o fixador. Quando ia revelar, o fotógrafo enfiava a mão dentro da câmera para fazer a revelação através de aberturas, como sacos ou meias, que impediam a entrada de luz. Usavam como câmera a máquina Bernardi ou máquina “Caixote”, fabricada por Francisco Bernardi, italiano de Bolonha, tendo a câmera sido introduzida no Brasil aproximadamente no ano de 1915 (FRANCO, 2004).



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Em seu primórdio, a fotografia direcionava-se à elite e exigia conhecimentos de química e física. Os avanços tecnológicos, a industrialização de equipamentos e materiais corroborou para o barateamento da fotografia e à sua massificação ao final do século XIX. Dessa forma, os lambe-lambes contribuíram para popularizar a fotografia no Brasil ao final daquele século sobrevivendo de maneira bastante escassa até o século XXI, não tendo eles atingido a classe dominante. Seus clientes geralmente eram humildes suburbanos, oriundos de cidades pequenas ou à procura de trabalho. Ofereciam preços abaixo dos estúdios maiores e entregavam as fotografias prontas em menor tempo, o saber da técnica fotográfica passava de pai para filho, mas isto nem sempre necessariamente foi assim (FRANCO, 2004).

Lambe-lambe?

Há várias explicações para o termo lambe-lambe, (observar as referências e indicações para leitura ao final deste post):

Lambe-lambe pode ter surgido pelos antigos fotógrafos que batiam a chapa preto-e-branco e assopravam o negativo para que o calor do ar da boca ajudasse a secá-la. Aí as pessoas passavam e viam o fotógrafo fazendo isto e diziam que ele estava lambendo a chapa (AMARANTE e SEVERINO JÚNIOR, 2002 apud FRANCO, 2004, p.21).

“Para Boris Kossoy (1980), a origem do termo lambe-lambe se refere a um teste que se faz para
verificar de que lado estava a emulsão de uma chapa, filme ou papel sensível. Para evitar o erro de colocar a chapa com a emulsão voltada para o fundo do chassi, o que deixaria fora do plano focal e portanto, com falta de nitidez, costumava-se, (não só o fotógrafo lambe-lambe, mas como qualquer outro fotógrafo que utilizava câmeras de grande formato), molhar com saliva a ponta do indicador e do polegar e fazer pressão com esses dois dedos sobre a superfície do material sensível num dos cantos para evitar manchas. O lado em que estivesse a emulsão seria identificado ao produzir uma leve impressão de ‘colagem’ no dedo” (KOSSOY,1974 apud FRANCO, 2004, p. 21).

Segundo alguns lambia-se a placa de vidro para saber qual era o lado da emulsão o que explicaria o nome. […] Há quem diga que se lambia a chapa para fixá-la, porém a origem mais viável parece estar
ligada ainda ao antigo processo da ferrotipia. Este processo envolvia uma camada de asfalto sobre uma chapa de ferro de mais ou menos 1mm sobre a qual era aplicada a emulsão. Após a revelação com sulfato de ferro, o fotógrafo lambia a chapa, fazendo com que a imagem se destacasse do fundo preto asfáltico pela ação do cloreto de sódio existente na saliva"(KOSSOY,1974 apud FRANCO, 2004, p. 21).

Quando se revelava a foto, após ser retirada do banho com o químico fixador, ela era lavada com água, então, os lambe-lambes passavam a foto na boca pra não ficar muito molhada, com o tempo, alguns passaram a acender um fogareirinho com álcool, e secava a chapa nele (FRANCO, 2004).

No Brasil, embora existam muitas imagens, a História da Fotografia Lambe-Lambe não é algo muito simples de se detalhar devido à carência de registros escritos e ao anonimato de muitos fotógrafos. Sendo que, mais a partir dos anos 1980, as pesquisas a respeito deles tivessem se dado, devido a decadência de tal profissão e técnica fotográfica. Rio de Janeiro e São Paulo foram as principais portas de entrada dos fotógrafos lambe-lambes, imigrantes que vinham da Europa já com o conhecimento de fotografar e revelar ao ar livre. Em Belo Horizonte, no ano de 2004, ainda existiam 6 fotógrafos lambe-lambes na Praça da Estação (FRANCO, 2004).


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Em cada cidade brasileira, o perfil dos fotógrafos tende a variar. Por exemplo, em Belo Horizonte, a primeira geração de fotógrafos lambe-lambes em 1922 era em maioria de espanhóis e sírios. Nos anos 1930-1940, decretos impunham cobranças de taxas, licenças e rodízios semanais entre os lambe-lambes na capital mineira. Alguns ficavam restritos à fotografia de documentos, outros viajavam para fotografar festas religiosas no interior de Minas Gerais e ganhar dinheiro. Ao final dos anos 1950-1960, os lambe-lambes mineiros vivenciaram o período de maior rentabilidade com os retratos 3x4 para inúmeros documentos como a carteira de trabalho, de identidade... Utilizando como suporte a técnica de se fotografar em vidro, entregavam a foto pronta em 20 minutos. O mesmo ocorreu em Vitória, pois nos anos 1950, os estúdios levavam entre 3 a 4 dias para entregar o serviço pronto aos clientes. Além dos 3x4, os ambulantes mineiros fizeram fotos para monóculos até o final dos anos 1980 (FRANCO, 2004).


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A chegada do filme colorido e do minilab (mini-laboratório) para revelações coloridas iniciou o processo de decadência da fotografia lambe-lambe, pois podia oferecer preços ainda menores e a entrega da foto pronta em menos de 30 minutos, além do que, os próprios lambe-lambes ficavam dependentes dos estúdios fotográficos para comprarem o material para revelação colorida (FRANCO, 2004). Quadro semelhante ocorreu no restante do Brasil que, com as inovações e modernizações tecnológicas tanto analógicas quanto digitais e com a popularização e barateamento da fotografia, direcionaram o tradicional ofício dos lambe-lambes à obsolescência e desvalorização, portanto, a caminho da extinção (FERNANDES JÚNIOR, op. cit.).



Os sobreviventes do lambe-lambe vieram se adaptando ao longo dos tempos, desde a máquina Bernardi às de filme colorido; de monóculos às Polaroid e, agora, seguindo com equipamento digital... (FRANCO, 2004; TASSINARI, 2006). Embora, acredite que lambe-lambe mesmo era o que lambia a chapa, os primeiros, tradicionais e característicos.

Por isso, suscito aos meus comparsas, integrantes do Fotoclube Super Olho, uma provocação: procurar se ainda existe algum fotógrafo lambe-lambe em Goiânia e região, lambe-lambe mesmo, de verdade, que tira foto com a chapa preto-e-branco e tudo mais... Com ele realizar uma entrevista informal e claro: tirarmos uma foto para a posteridade! Quem aceita minha proposta?

Para conhecer mais sobre lambe-lambe e sua história, você poderá consultar também as fontes indicadas.
http://www.iesb.br/moduloonline/napratica/?fuseaction=fbx.Materia&CodMateria=2055

Postado por: Naira Rosana em 08 de novembro de 2011.


REFERÊNCIAS

FERNANDES JÚNIOR, Rubens. Desconhecidos íntimos: o imaginário do fotógrafo lambe-lambe. Disponível em:<http://www.mnemocine.com.br/fotografia/rubens.htm>. Acesso em: 07 nov. 2011.

FRANCO, Marcelo Horta Messias. Profissionais em extinção: o caso do fotógrafo lambe-lambe. Monografia de Conclusão de Curso. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2004. Disponível em: <http://www.antropologia.com.br/divu/colab/d25-mfranco.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2011.

SILVA, Andressa Ignácio. Fotógrafos lambe-lambes e fotoclubistas: análise de perfil e perspectiva social da produção fotográfica. II Encontro Nacional de Estudos da Imagem. Anais... 12 a 14 mai. 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/eventos/eneimagem/anais/trabalhos/pdf/SILVA_Andressa%20Ignacio.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2011.

TASSINARI, Marco. Profissão: lambe-lambe. Há 40 anos na lida, fotógrafo se moderniza para enfrentar a concorrência e a falta de material disponível no mercado. 06 jun.2006. Disponível em: <http://www.iesb.br/moduloonline/napratica/?fuseaction=fbx.Materia&CodMateria=2055>. Acesso em: 08 nov. 2011.

INDICAÇÕES DE LEITURA

KOSSOY, Boris. O fotógrafo ambulante: a história da fotografia nas praças de São Paulo. In: Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, 24 nov.1974, p.5.

FABRIS, Annateresa (Org.). Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo: USP, 1991.

FROÉS, Leonardo. Os lambe-lambe. In: Coisas Nossas, Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Educação e Cultura e Mec-Funarte, 1978.

GOUVÊA, Isabel. Lambe-lambe: resistindo à extinção. In: Jornal FotoBahia, Salvador, n.1, jul/1981, p.3.

GRILLO, Margareth. Lambe-lambe: a profissão que a tecnologia desbancou. Disponíel em: <http://www.antropologia.com.br/divu/colab/d25-mfranco.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2011.

JORNAL O Norte. Modernidade versus tradição. Disponível em: <http://www.onorte.com.br/noticia/35257.html>. Acesso em: 08 nov. 2011.

SIMINETTA, Persichetti. Lambe-Lambe: a câmera automática no lugar da velha caixa. In: Revista Iris, n.334, p.18-20, janeiro/fevereiro 1981.

SOUZA, Felipe de Paula. Um olhar sobre os fotógrafos Lambe-lambes de Ilhéus, Bahia. Revista Espaço Acadêmico. n.63. ago. 2006. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/063/63souza.htm>. Acesso em: 08 nov. 2011.

VASQUEZ, Pedro. Olha o "passarinho"! Uma pequena história do retrato. In: O retrato brasileiro: fotografias da Coleção Francisco Rodrigues 1840-1920, Rio de Janeiro, Funarte e Fundação Joaquim Nabuco, 1983, p.27.

ZUANETTI, Rose; REAL, Elizabeth; MARTINS, Nelson et al. Fotógrafo: o olhar, a técnica e o trabalho. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2002.

IMAGENS E DEMAIS SITES CONSULTADOS


http://www.flickr.com/photos/claudiolara/362436897/
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/aniversariodecuritiba/territorio/
http://fotografoslambelambes.blogspot.com/2010/02/fotografos-ambulantes-no-brasil-os.html http://www.iesb.br/moduloonline/napratica/?fuseaction=fbx.Materia&CodMateria=2055
http://lambelambecultural.blogspot.com/

5 comentários:

  1. nossa! o texto ficou incrível e a pesquisa de primeira! parabéns!

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  2. Mas você não respondeu se aceita ou não a provocação que faço no texto... rs

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  3. To livre no sabado para procuramos algum lambe-lambe! =)

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  4. Estava pensando sobre os lambe-lambes.. eu lembro que em Maceió em meados dos anos 90, ainda tinham vários no centro da cidade, achava o máximo!

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